fim de mundo com lan-house

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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Interseções de intimidade

Luzes de um verão, de Tran Anh Hung















Lien e seu irmão gêmeo, Hai

Um filme sobre intimidade. E um filme sobre a família. As luzes de um verão fala disso, dessas duas coisas meio opostas, meio juntas: o que há, afinal, de mais pessoal e íntimo que temos são os laços familiares, e, talvez por isso, são justamente nessas relações que os limites entre a individualidade de cada um tendem a se chocar mais intensamente.

Não é o que acontece aqui, e talvez seja sobre isso que o filme vietnamita dirigido por Tran Anh Hung(de O Cheiro de Papaia Verde), queira nos falar: não dos momentos de choque, mas as interseções entre esses dois mundos, que se ligam, voluntariamente ou não, de maneira umbilical. Não por acaso é uma história de irmãs. Unidas por uma propriedade em comum, um bar herdado, elas se reúnem para comemorar o aniversário de morte do pai.

Cada uma por sua vez, tem uma trajetória bem particular. Suong possui um estranho caso extra-conjugal, onde não troca uma palavra com seu amante, enquanto sofre ao mesmo tempo por ser traída pelo marido, que faz constantes viagens por causa da profissão de fotógrafo. Já a do meio, Khan, possui o típico relacionamento perfeito, dona de casa que cuida do jardim e do marido, que é escritor. A caçula, Lien, a única solteira, dissimula uma paixão pelo irmão gêmeo, Hai, com o qual divide um apartamento.














No sentido horário: Lien, Khan e Suong

São, portanto, muitos focos e tramas a serem exploradas, mas o que chama atenção, mais que o drama em si, é a maneira como somos convidados a acompanhá-los.

Sim, porque aqui não iremos ver, observar, mas fazer parte, estar em companhia de. É essa a maneira com que Hung nos guia em sua narrativa, seja através da câmera extremamente sensível ou da própria maneira de retratar essa história cheia de tramas. Uma decisão acertada, por exemplo, é a de se limitar a falar somente uma semana na vida dessas personagens, justamente aquela entre o aniversário de morte da mãe e de nascimento do pai.

O primeiro evento é o responsável pela reunião familiar no bar da família, o que possibilita não uma aproximação, que já existe, mas um momento de encontro que a potencializa. No decorrer do ritual de preparar as refeições e a festividade, dá-se então o ápice dessa enquanto depenam e tiram as esporas de uma galinha, em um plano de delicadeza ímpar. A câmera, que quase sempre estivera em planos médios, se torna bem próxima, foco bem fechado, como que se nos aproximássemos também para participar desse pequeno ritual em que as irmãs trocam intimidades enquanto descalpelam uma galinha.

Essa aproximação, entretanto, é feita de maneira muito delicada, não buscando penetrar intrusivamente na vida das personagens, mas acompanhando o tom de cada situação. Quando se chega ao ápice dramático, por exemplo, o momento em que o marido revela sua traição à Suong, não só a câmera se mantêm distante do rosto dela, como uma elipse providencial nos fornece apenas o antes e o depois do acontecimento . Vemos então a irmã correr aos prantos do quarto e encontrar com uma das irmãs no corredor. Constrangida, resolve voltar para o lugar onde estava o marido.

Assim como a direção de fotografia, o que o próprio roteiro parece nos dizer é que há momentos que são solitários, imperturbáveis, por mais que a irmã ou nós espectadores tenhamos intimidade com a personagem.














A belíssima fotografia de Pin Bing Lee

Um ponto delicado em que o filme podia ter enveredado seria o de, pela opção de se concentrar nas irmãs, menosprezar a importância dos maridos, que, afinal de contas, são também parte da família. Mesmo que com um espaço menor na história, acompanhamos pequenos momentos importantes de suas vidas, como do flerte do escritor com uma desconhecida, e a família que o fotógrafo mantêm em uma ilha, seu refúgio de paz.

Por último, vale a pena chamar atenção pra mis em cene do filme, que junto com a utilização de planos fixos e da movimentação de cena, talvez reflexo desse mesmo respeito e cuidado com as vidas que desfilam em frente da tela. Assim, não é preciso corte ou que a câmera acompanhe a ação; ela mesma vai se revelando pelo seu percurso na tela, que possui quase sempre várias camadas e profundidade de campo, ótima fotografia de Pin Bing Lee(o mesmo de Amor à Flor da Pele, de Wong Kar Wai) . Luzes de um verão, é, portanto, um filme sobre a vida, que procura enfocar a intimidade quando esta se apresenta e não cavoucando emoções.

Se há algum momento em que esse recorte de sentimentos parece exagerado ou excessivamente montado, talvez seja justamente no penúltimo plano, onde as irmãs reunidas contam seus dramas e irrompem num choro convulsivo, catártico. Mas há ironia nisso tudo, pois o exagero não é do diretor, mas das próprias personagens.

Talvez Luzes de um verão seja, afinal, um filme sobre como juntar-se e reeguer-se na dor. Não por acaso no último plano do filme, na chuva, a filha mais jovem lembre-se que naquele dia o pai aniversariava, o que remete a cena do primeiro encontro das irmãs, uma semana antes: a comemoração da morte do pai. E Lien sai de quadro, sorrindo.

sábado, 23 de agosto de 2008

Partenogenese Pop

Eis que surge uma nova diva pop: performática e montada, retrô e futurista. Lady Gaga é mais do que a nova onda hype do momento. A americana de 22 anos não foi alçada a esse posto, pelo contrário: se auto emula como a mais nova diva do pop.

Os requisitos para qualquer uma das possibilidades acima ela possui: em nosso cenário da música(e não só ele) obcecado por dinheiro, sucesso(sexo) e fama, Lady Gaga funciona como uma espécie de consciência da loucura dentro da loucura. Não se trata de apontar saídas, dessaturar os estímulos, expectativas, desacelerar o ritmo. A idéia é justamente o contrário, levar tudo isso à máxima potência e esvaziá-lo de qualquer significado.

O que importa em sua performance é o corpo, o gesto, aquilo que se convencionou chamar de atitude. Não é o que você faz, mas como faz. E Gaga faz bonito, de um jeito próprio, esquisito. E isso no mundo pop é uma virtude inquestionável. Gaga traz um pouco de inusitado ao previsível, sem reinventar a roda, mas rodando com ela.

A maneira como a cantora cobre seu corpo é seu maior trunfo. Se o que temos visto na última década são artistas que usam o artifício para simular o natural, Lady Gaga assume completamente o artifício, a extravagância e a eleva ao status de proposta estética.

Cabelos loiros pintados, escovados, franja absurda, apliques longuíssemos, maquiagem. Mas não só: ombreiras cônicas, maiô em V, óculos escuros, sempre. Referências dos anos 70 e 80, que menos do que embarcarem na onda fashion do momento, trazem de volta a possibilidade da roupa como proteção do corpo no que este tem de frágil, e não na sua potência para revelar essa fragilidade. Vide os óculos, dos mais variados modelos, sempre escuros: ao contrário da artista que os coloca para se esconder dos flashs, Lady Gaga faz uso do acessório para se afirmar como celebridade.

Nos últmos anos artistas como Britney Spears e Kylie Minogue têm tido como marca figurinos que na verdade as despem, por mais pano que neles haja. Mas Lady Gaga percorre exatamente o caminho contrário: seu figurino é de construir o corpo, acentuá-lo, modificá-lo. Se aproxima, portanto, de uma Grace Jones, ou de uma Madonna da época dos sutiãs cônicos de Jean Paul Gaultier. Talvez este retorno aponte, afinal de contas, num movimento exibicionista, mas contra a vidipendilização do corpo: para revelar curvas e linhas, entram as formas geométricas, em vez do caimento transparente. O corpo é nossa fragilidade, a roupa uma armadura que revela o que é interessante e ao mesmo tempo esconde. Como o óculos/escudo que entrega o disfarce, uma máscara que serve pra revelar.


Mas não é só o visual, é a atitude. Apesar de sua auto-afirmação como diva, Lady Gaga não é mais uma cantora com síndrome de celebritite. Porque em seu trabalho o tema da celebridade é justamente um tema, não um fim. Gaga sabe que o que está em voga é o retrô, e usa isso, tanto em sua música quanto em seu visual. É preciso ser exótica, resgatar algo de mistério que andava perdido no pop. E é preciso falar também sobre o estado das coisas, da obsessão pela fama, pelo novo, pelos corpos, pelo dinheiro. Não é por acaso que seu primeiro álbum se chame The Fame, palavra que parece ganhar status de lugar e sugerir uma epopéia em sua busca, descrita ironicamente em grande parte no disco.

As melhores faixas do cd são justamente as que se referem claramente a esse mundo, como na ácida faixa título(Give me something/ I wanna see television and hot blondes in odd positions), ou na absurda Paparazzi, onde a cantora declara seu amor pelos normalmente odiados fotógrafos de celebridade.

Lady Gaga se encontra, porém, em uma sinuca de bico: se por um lado toma para si uma persona exótica, exagerada, teatral, sua música não é mais nem menos do que o mais puro pop. A cantora afirma que sua intenção é trazer uma certa visão de underground ao mainstream, mas um certo choque acaba se impondo nessa relação. Em alguns momentos The Fame se aproxima tanto do pausterizado corrente que parece não sobrar nada de expressão própria, individual.

A voz potente da cantora, entretanto, à la diva disco, consegue trazer um tanto de personalidade a boa parte dessas canções, e fugir desse marasmo. Vide Just Dance, primeiro single do cd. Essa referência, aliás, quando aplicada também aos arranjos, é o que salva canções como Beautiful Dirty Rich e a faixa-título. Entre o new wave, eletrõnico, funky e o rock, Gaga prova que é mais do que aparência. Trata-se de performance, com trilha e mise en scène.


*Mais de Lady Gaga:
Performance
Site Oficial

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