fim de mundo com lan-house

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Los peores del año

Em vez de fazer uma lista de melhores do ano, resolvi tentar fazer o exercício contrário: elencar os piores filmes que vi nos últimos doze meses, os quais normalmente não me dão a menor vontade de escrever sobre, mas que talvez mereçam uma espinafração justo pra tentar separar o joio do trigo.
Na tentativa de lembras de tais filmes, os que me vieram mais forte foram os filmes nacionais, reflexo talvez da safra fraquíssima que tivemos nesse ano (pelo menos das coisas que chegaram até Fortaleza). Separado especialmente para vocês, três das piores coisas que aconteceram no cinema nacional no ano:


À deriva
O enredo do filme de Heitor Dhalia tem uma premissa praticamente igual ao de Pauline à la plage, de um dos meus diretores preferidos, Eric Rohmer: jovem vai passar temporada na praia junto com a família, quando acaba descobrindo a complicação da vida dos adultos enquanto enquanto tenta administrar as consequências de se apaixonar pela primeira vez. E o resultado não poderia ser mais diferente. O filme de Rohmer traça um retrato vivo de uma jovem em vertiginosa transformação, enquanto Dhalia consegue no máximo exacerbar o que essa situação e esse estado podem ter de dramáticos. Fotografia, trilha sonora e recursos dramáticos só fazem exarcebar o drama e pouco acrescentam à própria trama.

Do começo ao fim
Praticamente uma unanimidade(negativa) crítica, o filme de Aloíso Abranches sobre um casal de meio-irmãos que têm um relacionamento homossexual parte de uma prerrogativa polêmica para sair pedindo desculpas a torto e a direito. Mata os pais para evitar qualquer tipo de conflito, faz o amor dos dois parecer a coisa mais importante do mundo e esquece de fazer que o mundo realmente exista para os dois namorados. Na vida de Tontom e seu irmão, é só alegria como em um comercial de margarina. Infelizmente, porém, o filme não tem apenas 30s.

Garapa

José Padilha resolveu fazer um filme sobre a fome ''do ponto de vista de quem vive a situação'', buscando o choque e a exposição da dor alheia, mas sem conseguir articular nada além de puro voyerismo pretensamente engajado. É como se ver e condoer-se com a situação fosse o suficiente para sanar o peso na consciência dos espectadores. Reverter a renda do filme para as famílias retratadas também aparenta ser mais um golpe de publicidade, visto que o filme teve circulação restritíssima. Melhor seria doar a renda de seu próximo filme, Tropa de Elite 2, para alguma instituição de caridade.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

8 perguntas para Alan Santiago


Alan Santiago é um jovem estranho. Aos 19 anos ganhou o edital da Secult de literatura para publicação de um livro, sua primeira produção, A Lua de Ur num Prato de Terra, que só recentemente chegou as livrarias da cidade. No dia 7 de julho, no pátio anexo do Theatro José de Alencar, figuras como Pedro Salgueiro, Tércia Montenegro estavam lá prestigiando nosso jovem escritor, hoje aos 21 anos de idade, prestes a se formar e trabalhando no jornal O Povo como estagiário do Núcleo de Cultura e Entretenimento.


Alan se fazendo a fatídica pergunta: porque escritor só tira foto com livros?

O conheci há bastante tempo. Para ser sincero, somos colegas de turma de faculdade, mas na verdade nos conhecemos um pouco antes de pisarmos na UFC: graças à internet, começamos a nos comunicar muito antes do início das aulas. Nessa época, li muitos dos contos que hoje se encontram no livro. Lembro que havia quase um conto novo por semana para ler em seu blog, frequência que era quase a mesma com que eu produzia ainda alguma coisa. Mas talvez já naqueles dias, mesmo sendo muito fácil dizer isso a essa altura, eu já soubesse que ele provavelmente iria mais longe dentre todos nós. Não falo por ter ganho o edital ou lançado o livro, mas pela simples e fulminante paixão necessária para montar e acreditar em um livro próprio.

Paixão essa, aliás, que pode ser sentida nos contos de A Lua de Ur: tanto em sua escrita galopante e ausência de fôlego típica dos amantes, ao próprio enredo onde é possível sentir o sangue escorrer das mais incautas frestas dos relacionamentos e do cotidiano.

Resolvi fazer uma experiência notion less e, pela primeira vez, entrevistar um amigo, e posto aqui o resultado dessa entrépida aventura, que planejo repetir mais vezes. Por isso, amigos, lancem livros(filmes, peças e exposições também estão valendo)!

*O negrito sou eu. O normal é o Alan.

Copiando a pergunta para a qual nunca fiquei sabendo da resposta, de um veículo bahiano que não lembro agora: quem neste mundo de deus botou a literatura na sua cabeça? Foi sua tia que lhe deu a máquina de escrever? Ou começou muito antes?

Minha tia tinha duas máquinas de escrever. Uma pequena, azul, portátil, com tinta preta e às vezes vermelha, que ela guardava numa maleta de formato estranho com aba de plástico para carregar. A outra era elétrica – coisa que no início dos anos 1990 era a consubstanciação da modernidade, mas que ainda se tremia quando ligada. Mesmo assim não era preciso quase nem fazer força para digitar. Foram nessas duas máquinas que escrevi meus primeiros contos, na grande casa da família, onde meu pai mora solitário ainda hoje. Mas, se eu for pensar bem, nunca tive nenhum incentivo formal. Meu pai não me ensinou, usando o tabuleiro de xadrez, os paradoxos de Zenon de Eléia como fez o pai do Borges quando ele tinha quatro anos de idade. Lá em casa nunca teve uma biblioteca vasta – embora sempre tenha visto minha mãe lendo. Meus passeios não eram na livraria, nem meus brinquedos eram livros. Sempre fui muito solitário. Isso deve ter sido um motivo, quem sabe. Não posso dizer ao certo, mas o fato é que comecei a ler e escrever ainda em tenra idade, ficções de suspense, de crimes inexplicáveis, aventuras. É uma biografia que, diferente das histórias que tento contar, não tem muitos acontecimentos.

Olhando para o lado

Quem primeiro te impressionou? Garcia Márquez? Agatha Christie? E quem ainda te impressiona?

Primeiro foi, sem dúvidas, os livros infanto-juvenis do Marcos Rey, na Coleção Vagalume. Essa coleção formou gerações de leitores nas décadas de 1980 e 1990. Depois vieram os crimes aparentemente insolúveis de Agatha Christie. Pouco mais tarde, veio Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Gabriel Garcia Márquez e assim começaram minhas leituras mais sérias. Acredito que todas as literaturas que são de verdade conseguem continuar impressionando e incomodando mesmo muito tempo após serem lidas. Não é diferente com Márquez, Graciliano...

Alguém que você gostava muito hoje você vê com outros olhos? Aliás, creio que isso é algo que sempre acontece... talvez seria melhor perguntar: o que na literatura você foi descobrindo que podia parecer legal, mas nem era? Em relação a recursos, temas, etc.

Pensei, por um tempo, que o ser humano só poderia estar nu, revelado, na arte, através da literatura, se fosse por meio dos fluxos da consciência. Só assim alguém estaria diante do que realmente é um homem e como ele organiza seus processos mentais. Me enganei. E de maneira retumbante. Trata-se apenas de um dos recursos possíveis para tentar desvendar a vida. A literatura lhe oferece outros tantos, porque o mundo oferece igualmente tantas possibilidades quanto sejam os homens e suas formas de se relacionar, construir significado para o mundo. É evidente que essa descoberta me fez enxergar não a literatura, mas as literaturas. A narrativa, a capacidade de elaborar histórias as mais mirabolantes, também é legítima nessa busca eterna empreendida pelos escritores de todas as épocas e todas as localidades pela essência do ser humano. Estão aí Borges, Cortázar, Roberto Bolaño, Italo Calvino, Sahrazad, José J. Veiga, Pirandello, Guimarães Rosa e tantos e tantos outros que se acercaram de formas variadas de narrar e ao mesmo tempo refletir sobre a vida. Porque, afinal, escrever é tentar captar e sedimentar algo que é absolutamente fugidio, que é nossa essência.

Tentando explicar coisas inexplicáveis

Você acaba de lançar A Lua de Ur em um Prato de Terra, um livro de contos. Para um escritor, o que significa lançar o seu primeiro livro?


Rilke escreveu um livro que não apenas quem tem pretensões literárias, mas todo ser humano deveria ler. Chama-se Cartas a um Jovem Poeta, onde ele propõe, ao escritor em princípio de carreira, que se pergunte: Eu posso viver sem escrever? Se a resposta for afirmativa, sim, eu posso viver sem escrever, então, desista. Não continue. Caso contrário, não apenas persista como oriente sua vida nesse sentido. Esse livro, que tem o sabor, o cheiro e a ansiedade dos inícios, é essa tentativa de orientar minha vida para a literatura, que precisa de você inteiro, sem concessões. Mas é um primeiro passo rumo a algo que ainda não sei bem o que é.

Publicar um livro provavelmente muda a maneira como as pessoas passam a te ver. Já vi gente que sequer sabia antes que você escrevia, chamando você agora de “escritor”. E quanto a você, muda a maneira como você se vê? Alguma coisa se transforma?

Não. Continuo o mesmo inseguro e esperançoso de sempre, mas dessa vez com um livro a tira colo. Não acredito que vá mudar muita coisa. A não ser pelo fato de que a literatura vai ganhando cada vez mais espaço na vida, como ela merece e como parece ser a via natural das coisas. Mas isso é um caminho até pretendido.
Lançar um primeiro livro é também motivo de insegurança.


O que te embaraça em A Lua de Ur?


O livro é instável, porque provém de momentos diferentes da minha vida. É, antes de tudo, ainda uma tentativa de encontrar uma voz própria, que me seja única e reconhecível. Talvez não tenha conseguido nesse, mas haverá os próximos – como diz Calvino na boca do escritor Silas Flannery, em Se um Viajante numa Noite de Inverno: se penso que estou escrevendo apenas um livro, me inquieto; ao pensar que escrevo uma biblioteca inteira, me aquieto, porque o que não conseguiu ser esgotado em um volume pode vir a ser em outro. Estou tentando escrever uma biblioteca inteira, resumidas em não tantos volumes assim.

Lançamentos normalmente são muito chatos. Eu digo pelo menos para quem vai, se não estiver resguardado de muitos amigos, porque acaba sendo sempre uma reunião muito pessoal(de grupos), por mais cheia que esteja. E pra quem faz o lançamento em si, como é?

Lançamento é coisa chata. Não dá pra conversar com ninguém direito. Afora isso, para mim, ainda há o fato de não conseguir lidar muito bem com publicidade em torno da minha figura. Particularmente no caso de um lançamento em que o que está exposto ali não é a qualidade literária do sujeito – já que o livro ainda ninguém leu – mas o próprio escritor. Entretanto, é a via de se chegar aos leitores, o objetivo final. Mas minha preocupação é com a literatura. Livros efetivamente bons acabam sendo encontrados por um, dois ou cem leitores – independente da divulgação que se tenha feito nele. Carlos Nóbrega, um excelente poeta cearense que não se divulga e praticamente não há indicação de quem ele é em seus livros, é prova viva. A literatura dele vai sobreviver apesar da vida misteriosa do autor, porque tem consistência. A boa literatura sempre viverá.


A Lua de Ur num Prato de Terra - de Alan Santiago (Contos) . Editora 7 Letras. Internet: Livraria Travessa e Livraria Cultura. Ao vivo: Livraria Lua Nova - Av. 13 Maio, 2861 - Benfica, Fortaleza - CE. Telefone: 3214 5488‎.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

E a Madonna nem morreu

É o nome de uma festa em comemoração aos 51 anos da moça que acontece esse sábado no Cine Betão, aqui em Fortaleza, mas poderia muito bem ser uma frase sobre a própria carreira de nossa polêmica unanime Rainha do Pop. Ora, se os tempos de reis e rainhas avassaladores de uma cultura de massa absolutista se foi, e ainda por cima o decapitado Micheal morreu, então, quem sobra? Pois é, Madonna não morreu. Ou morreu?

Sim e não, eis a resposta:



É mais do que clichê, mas não custa repetir o verdadeiro e óbvio: Madonna sobreviveu porque soube se reinventar. Não só musicalmente, mas como performer e como empresária também - alguém duvida que esse seja também um de seus grandes talentos? - como demonstra seu recente reposicionamento no mundo do entretenimentos ao investir em shows como nunca. E ainda em shows aparentemente menos pretensiosos, quer dizer, no sentido de uma certa atmosfera de celebração e brincadeira que há tempos vinha diminuindo em suas apresentações. Como Madonna não é nem nunca foi uma artista do improviso, eis que ele surge aqui roteirizado, mas ainda assim uma ótima sacada.

Em tempos de mp3s e dispersão dos usuários pelas novas mídias (quase ninguém fica mais parado diante da telinha esperando a MTV dizer do que devemos gostar), o ideal talvez seja realmente aproveitar o público que essa própria emissora formou e lucrar loucamente com shows e shows e mais shows.

E isso, talvez, a performance, além do negócio, talvez seja o que Madonna sempre soube mesmo fazer melhor. Outras podem ter mais energia, cantar melhor, serem mais bonitas, mais extravagantes, mais artísticas (Q?), mas Madonna indubitavelmente ainda é a maior performer. Difícil definir o que seja isso, mas basta olhar para a apresentação do VMA em que a cantora se apresenta com Britney e Christina para reparar que seus olhos muito provavelmente se alternarão somente entre Britney e Madonna, e que, apesar de na época já ter quase cinquentinha, cantar uma múscica flopada e estar bem mais vestida, Madonna ainda é a atração da noite.

Mas eis que chegamos em She's not me, que é a música do vídeo acima e o grande motivo - ou pretexto - deste post. Se Madonna ainda está viva, isso quer dizer que várias personas foram morrendo no meio do caminho. I know I can do it better, ela grita, enquanto acaricia os seios cônicos que lhe imortarizam no hall mnemístico da fama na performance mais interessante de sua Stick and Sweet tour, a qual esteve no Brasil e agora ganhou uma segunda parte, fato inédito na carreira da cantora - o que demonstra ainda mais essa vontade de se reiventar.

Como disse Marina Lima em artigo para um jornal que não lembro qual, a popstar não necessariamente tem feito o melhor, mas continua tentando descobrir novos caminhos. O disco Hard Candy, embora extremamente irregular, é justo um esforço nesse sentido, mesmo que estes caminhos passem pelo passado e tentem reencontrar uma Madonna ícone dos anos 80 no meio desse revival oitentista que tem super cara de contemporâneo. Não deu, mas teve seus altos ao reeditar uma certa despretensão da artista que é a cara daquela década, como no hit Give it 2 me, ou na deliciosa Candy Shop, no qual a artista subverte a lógica misógina e extremamente machista da canção homônima do rapper 50 cent.

Na versão de Madonna, a loja de doces não é uma referência fálica, mas uma espécie de jogo irônico com o arquétipo de um grande mãe que tem tudo a oferecer:

See which flavor you like
And I'll have it for you (...)
Don't pretend you're not hundry
There's plenty to eat
C'mon into my store
Cause my sugar is sweet

Com licença para viagens psicanarquétipicas(o blog é meu, dá licença), é possível pensar em uma afirmação de genorosidade, pois ela é "a Rainha", e tem de tudo para oferecer (estilos, atitudes, etc), ao mesmo tempo que essa habilidade de prover reafirma sua própria feminilidade. Como a introdução de She's not me, ''this is for the ladies", uma exibição de força feita de cima de um salto 15.

E as senhoritas no caso, poderiam ser Britney e afins, as quais são derivações madônicas que a própria canibaliza seja ritualmente como no VMA, ou a nível de linguagem, com a apropriação de produtores que levaram Britney ao topo, como Pharrel Williams, responsável por Toxic, mas também por Candy Shop, Give it 2 me e She's not me.

Apesar dessa mensagem mais ou menos subreptícia (adorei descobrir essa palavra e agora vou usá-la agora sempre que puder), a idéia principal está ali, no palco. As 4 dançarinas/estátuas fantasiadas de Madonnas de diversas épocas. Elas ficaram paradas no tempoo, estáticas, mas a Madonna verdadeira, que é sempre a de agora, permanece. Pra onde vai? Deus sabe. Mas Deus sabe também o quanto ela está tentando.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Vida longa, arte efêmera

Diário de uma catita, de Bruna Beserra

Uma xilogravura editada no computador, rugas impressas em tecidos expostos em varais, intervenções urbanas e até mesmo histórias em quadrinhos compõem a diversidade de técnicas, temas e abordagens da exposição De Última Hora, resultado dos trabalhos de conclusão do curso tecnológico em Artes Visuais do semestre 2009.1. do Instituto Federal do Ceará. Ao todo são dez artistas,cujas obras ficam em exposição no Alpendre de 13 a 17 de agosto.

Longe de coesão, os trabalhos apresentados mostram refratam a realidade em suas principais possibilidades de representação. A reflexão sobre o tempo e a memória estão presentes no trabalho de Cecília Shiki, a qual imprimiu fotografias das rugas de sua família e as imprimiu em tecido. Já Bruna Beserra preferiu colocar seus próprios retratos ao dispor dos passantes da rua: nem menos nem mais importante é essa auto-representação do que a curiosidade dos que passam.

YHVH, de Diogo Braga

Diogo Braga, por sua vez, continua sua pesquisa sobre a iconografia religiosa através de uma apropriação criativa e não menos poderosa ao criar um vídeo que apresenta uma criatura com ares de santa católica envolta em uma atmosfera de medo como de uma Samanta, a menina-fantasma de o chamado, em uma versão esdruxulamente católica. Ainda entre outros destauqes, temos o aprofundamento da pesquisa de um dos membros do grupo Acidum(o qual mantém seu anonimato) sobre grafite, intervenção urbana e as maneiras de encarar a loucura.

SERVIÇO: De Última Hora, exposição com os trabalhos de conclusão de curso dos alunos do IFCE. No Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção (Rua José Avelino, 495 - Praia de Iracema). Grátis. Informações: 3219 2362.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Duas (três, quatro, cinco, seis) vezes Alice

Uma menina de férias, enclausurada em sua casa, sonha tanto quanto apenas imaginação e solidão juntas permitem: os objetos inanimados da casa ganham vida e viram seus melhores amigos. Um deles, o computador, acaba lhe transportando para um mundo encantado, onde cartas do tarô tem vida e uma rainha louca quer cortar a cabeça de todos. Em outro palco, quer dizer, no pátio nobre do Theatro José de Alencar, uma moça desnorteada percebe que perdeu a imaginação e resolve recupera-la de maneira, digamos, não muito lícita: recorre a uma droga misteriosa que a transporta de volta ao local que visitara anos antes, o País das Maravilhas – agora, na verdade, País do Espelho.


Uma esperta e desnorteada Alice na montage do grupo Cia. Plural de Artes Cênicas


São essas, respectivamente, as sinopses de Alice e o País das Maravilhas, espetáculo infantil do grupo Cia. Plural de Artes Cênicas, e Alice – Nem Tudo que Parece É, montagem dos alunos do Curso de Princípios Básicos de Teatro do Theatro José de Alencar. Apesar de partirem de leituras bem diferentes da obra de Lewis Carroll, ambas compartilham a mistura do enredo dos dois livros do autor, Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho, além de explorarem com competência a incrível habilidade que o argumento de Carroll possui de, por mais chacoalhado e remexido, continuar intacto em essência e quem sabe até ainda mais fiel à idéia original.


Essa é, afinal, uma história sobre uma grande confusão: seja ela passagem da infância à adolescência, um mergulho radical na própria infância ou um encontro cruel e agudo consigo mesmo, a história de Alice sempre transita no fio tênue entre o absurdo e a fantasia. Fantasia de quem costuma usar sonhar para tornar a vida divertida, mas de repente depara-se com o absurdo que é o contrário da liberdade da imaginação – seja esse o absurdo de si, no caso da peça que acontece no TJA, ou o absurdo dos outros, quiçá dos adultos, no caso da montagem da Cia. Plural.


Solidão e loucura


Com direção de Tonico Lacerda Cruz, a adaptação do grupo , surpreende pela ousadia de fazer uma peça infantil sobre a solidão, o que parece mais atual que nunca em tempos de condomínios fechados e computadores substituindo playgrounds. Há, afinal, coisa mais triste e mágica do que uma menina que faz amizade com a TV, o computador e o refrigerador? Além disso, o acréscimo desses personagens é um sopro de novidade numa história já tão conhecida dos pais que levam os filhos à montagem, e conseguem, por vezes, ser tão cativantes quanto o chapeleiro maluco ou a lagarta da história original.


A montagem dos alunos do Curso de Princípios Básicos, com direção de Silvero Pessoa, vai ainda mais longe na sua releitura, com um ritmo e interpretações tão lisérgicas quanto o espírito do livro de Carroll, mas aprofundando-se ainda mais na questão da crueldade, tão presente no livro. Entediada e sedenta pelo mundo “mágico” do país das maravilhas, o qual visitara já há algum tempo, uma agora Alice quase mulher parece não entender nada a sua volta, principalmente quando é rodeada de inúmeras versões de si mesma. Qual seria a verdadeira? Todas e nenhuma, incluindo aí a própria Rainha Vermelha, em uma inspiradíssima versão travesti.


Alice - Nem Tudo que Parece É - hoje, a partir das 19h, e neste sábado e domingo, às 17h no pátio nobre do Theatro José de Alencar (Pça. José de Alencar, s/n - Centro). Entrada gratuita. +Informações: 3101.2583. // Alice e o País das Maravilhas Em cartaz todos os sábados e domingos de agosto, às 17 horas, no teatro do Sesc Emiliano Queiroz (av. Duque de Caxias, 1701 – Centro). Ingresso: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia). Classificação livre. +Informações: 3452 9090.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Exército pelos ares

Assisti ontem ao documentário de Guilherme Coelho, PQD, sobre um grupo de jovens da zona oeste do Rio de Janeiro que prestam serviço militar na brigada paraquedista do exército. Saí com um sorriso sereno acompanhado de um estranho e deslocalizado incômodo.

A proposta do filme, de ser ''um filme sobre estar no exército, não sobre a instituição em si'', pra começar, me fez total sentido. Quer dizer, se é impossível não falar do exército fazendo um filme que se passa dentro dele, a escolha de Guilherme talvez tenha sido uma das mais felizes possíveis: fazer esse retrato a partir, se não do olhar, mas da observação dos jovens que, aos 18 e poucos anos, resolvem alistar-se como opção de vida, fruto, segundo o senso comum, da possibilidade de um ordenado ou futuro emprego garantido.

E o documentário realmente aponta nessa direção, mas mais que isso: como um cristal que decompõe a luz branca em sete cores, estilhaça em mil caminhos as causas, razões e consequências de ser um jovem na corporação. Muito dos personagens fazem a escolha soar completamente plausível. A instituição aparece, por mais agruras que os recrutas passem lá, como um lugar positivo. Duro e sofrido, mas de intensa capacidade formativa.


Talvez tenha sido daí o meu incômodo. Assumindo minha posição e formação de classe média,
com sua típica aversão ao Exército advinda de todo o trauma da ditadura, tive confrontados meus conceitos e preconceitos, quase todos driblados pelo documentário ao dar contornos e complexidades à essa escolha que parece, para a maioria de nós, tão impensável. Iss
o porque, apesar de não ser de forma alguma um posicionamento crítico e contundente contra o exército, não peca pelo caráter oposto, o de um oficialismo ou viés propagandista. Da mesma forma que os vitoriosos no processo de seleção para efetivação no exército são ouvidos e carinhosamente retratados, há o espaço tão afetivo quanto para os que ficam pelo meio do caminho. Mais que isso, pelos que decidem, por vontade própria, dar meia volta e assumir as consequências pela deserção, que no exército não são poucas e incluem a prisão militar.

O que o filme parece dizer, no final das contas, é que o Exército é sim um caminho viável e enriquecedor para certos jovens, mas não para todos, que não são piores ou menos dignos que os outros. Mais do que jovens no Exército, aliás, o filme parece falar sobre certa juventude de classe média baixa que, a despeito dos preconceitos e estigmatizações onipresentes na sociedade brasileira(e falo de mim mesmo como parte dessa sociedade), possui um foco e aspira por uma vida melhor a ser atingida através do trabalho, e bastante árduo por sinal.

O que chama atenção, por exemplo, é o fato de os personagens, desde o início do filme, quando são entrevistados pouco antes de entrarem no serviço militar, mostram-se extremamente determinados e, quiçá, previamente disciplinados. Sim, porque se o que podíamos esperar da documentação do processo de formação de um jovem militar seria sua conversão da indisciplina para a retidão e obediência, o que vemos é uma vontade de ordem anterior ao próprio condicionamento à ela.

Isso não quer dizer, entretanto, que aqueles que se adequam são só isso, algum tipo de máquina ou peão de guerra(guerra essa, inclusive que nunca aconteceu no Brasil, mais um motivo para a importância de abordar o Exército a partir da questão do serviço militar, algo temporário e quase desvinculado de consequência prática). Pelo contrário, logo no início do filme somos apresentados a personagens multifacetados e criativos como Pedro Henrique, que compõe e toca teclado, ou de outro que, já no alojamento, canta uma canção de sua própria autoria.

O que transparece nesses jovens, talvez mais do que à predisposiçao ou necessidade de se submeter ao rigor, é sua enorme vontade de vida. Vontade essa que lhes faz conseguir se subtmeter ao Exército, mas não como um fim em si, mas maneira de alcançar alguma outra coisa, nem tão imediata assim como o sustento. Um exemplo é caso de Joseph Ferreira, um dos rapazes mais dóceis e dedicados acompanhados na película, que ao ser efetivado, resolve começar a estudar administração. Se o Exército não é a solução final, é uma etapa importante na sua vida, pois é com o dinheiro de seu ordenado que ele paga a faculdade particular.

É com essa problematização da vida destes jovens e suas oportunidades, que o filme de Guilherme Colho consegue fazer um relato de alto interesse e caráter humano. Se há algumas possíveis falhas de dramaturgia ao apresentar personagens que vão sendo abandonados no decorrer, talvez esta seja uma consequência da própria escolha de enfocar os tortuosos caminhos reais de 70 jovens que começam sua vida profissional em um meio como o Exército. Se alguns são deixados para trás, outros surgem no meio do caminho, somem e são recuperados, como é o caso de Lucente, que resolve desertar por não conseguir se submeter à forte hierarquia do quartel, dando um interessante depoimento sobre as falhas do próprio Exército e as vantagens de construir uma carreira no mercado liberal.

Lucente, entretanto, apesar das críticas, diz que nunca vai esquecer de um momento sublime, o seu primeiro pulo de paraquedas, registrado pelo filme de maneira igualmente sublime. Depois de filmar os recrutas pulando de dentro avião, a câmera se desloca para o ar, logo abaixo dos paraquedistas. Abrindo-se em forma de flor ou de aéreas águas vivas, o som de repente cessa, e vemos apenas as dezenas de guarda-chuvas cinzas pairando no ar. Há algo de sonho nessa imagem, e certamente apostar no sonho destes personagens é o ponto mais forte de PQD.


sexta-feira, 24 de abril de 2009

Um musical para quem não gosta de musicais

Mamma Mia - O Filme, de Phyllida Lloyd

Se você detesta musicas e adora uma comédia escrachada, certamente vai gostar de Mamma Mia! - O Filme. Se você gosta, porém, eu não teria tanta certeza. O musical parece ter sido formatado para o gosto médio do público de hoje, avesso a musicais. E é justamente sobre este ponto que Phyllida Lloyd, responsável também pela montagem teatral original do espetáculo, mira sua direção, nessa aversão ao gênero. Se é considerado ''irritante'' e ''inverossímel'' para a maioria dos espectadores cenas em que os personagens começam a cantar sem qualquer justificativa, que esta situação seja encarada efetivamente como absurda e tratada, sempre, com o viés da comédia. Pastelão, ainda por cima, pois se esses personagens precisam dançar também que seja com movimentos desengonçados e com um uso exacerbado do humor físico. De tão escrachadas, as cenas podiam facilmente ter sido dirigidas por um comediante e não por um coreógrafo. Ou será que não foram mesmo?

Bom, mas é um musical inspirado nas canções do ABBA, certo? O que poderia-se esperar, então? Um punhado momentos divertidos e uma exacerbação de elementos kitsch, ora bolas, como as músicas do grupo sueco formado por Agnetha Fältskog, Björn Ulvaeus, Benny Andersson e Anni-Frid Lyngstad, as letras das siglas do nome de uma das bandas de maior sucesso da história da música pop e praticamente um estandarte do espírito dos anos 70 e da cultura das discotecas e da música disco. Mas no final é só isso que temos: alguns momentos divertidos, talvez mais pelas músicas e vez ou outra pela situação constrangedora em que se encontram os atores, particulamente Pierce Brosnan, que parece totalmente deslocado no filme. Culpa talvez não só do James Bond, imagem com a qual ficará para sempre marcado, mas principalmente do roteiro pífio, que não se utiliza das músicas, mas é somente um pretexto para que os hits do grupo sueco seja inserida aleatoriamente.

O filme certamente não precisa ser bobo para ser divertido, mas essa é uma receita que certamente não foi aprendida pela pessoa que teve a idéia de fazer Mamma Mia. Há ainda alguma coisa de interessante no fato da protagonista ser uma mulher de seus quarenta e tantos anos(Meryl Streep) e seus três ex-namorados(Pierce Brosnan, Stellan Skarsgård e Colin Firth), possíveis pais de sua filha, que está prestes a casar. Na trama, Sophie (Amanda Seyfried), a tal filha sem pai, convida os três homens que desconfia serem seus possíveis pais para sua festa de casamento, quando pretende descobrir qual deles afinal é seu pai. Tudo isso passando-se em uma ilha grega onde a mãe de Sophie possui uma pousada que herdou inexplicavelmente de um de seus ex-namorados, talvez apenas mais um pretexto pra lindas paisagens e a presença onipresente do mar e a dança que a luz faz sobre suas águas na fotografia do filme. Bonita, mas pouco eficaz: como quase tudo no filme, parece estar ali somente para enfeitar ou ''ser divertido'', sem que isso acrescente nada a história alguma que se deseje contar.

A história de amor na maturidade, porém, não chega a traçar seus traços mais rasos de profundidade, e logo tudo parece arbitrariamente armado para encaixar as músicas ou mesmo para justificar a escolha do ABBA: trata-se de uma mulher de meia idade, que na juventude foi uma hippie meio maluca, mas que deixou de lado o amor e este agora aparece-lhe novamente, vindo do passado, e em dose tripla. O que poderia haver de melancolia e nostalgia que justificassem efetivamente a música, porém, acaba virando somente escada para os hits do grupo. O que não é de todo mal, porque se uma coisa boa possível de ser tirado do filme é que terminei de assistí-lo cantarolando as canções e com vontade de baixar já a primeira coletânea do ABBA que eu achasse no Google. Para quem gostou ou não gostou do musical, aliás, recomendo que faça o mesmo: as versões das músicas são praticamente todas iguais as originais, com a diferença que as originais, obviamente, são bem melhores.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Achado de sábado

Monochrome - Dominique A e Yann Tiersen

Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite. Até mesmo passá-lo em casa pode render boas surpresas. E pasmem, xeretando o orkut de um ex-colega do qual nunca esperaria algo muito imprevisível, eis que descubro a parceria dos franceses Yann Tiersen, multi-instrumentista, compositor da trilha de O Fabuloso destino de Amélie Poulain, e do cantor Dominique A. A música me lembrou de alguma forma Beirut, talvez pelo tom melodioso, meio lamentoso da canção, que parece também com música de marchinha.

A música é ótima, mas o sensacional mesmo é o clipe (não consegui descobrir ainda quem é o diretor).



Pode parecer bobo, mas achei a simplicidade do clipe tocante. A letra da música, ''monocromática", fala de uma vida sem graça, mas ao recitá-la o autor parece trair o próprio espírito melancólico e transformá-la em celebração. Afinal de contas, o que é a vida se não esse sentimento de continuar indo, de tentar organizar suas pequenas coisas inúteis, como os livros debaixo da cama que nunca lemos e provavelmente nunca leremos, como diz a letra da música?

Mas bem, o que me tocou especialmente foi o vídeo, pelo menos de início. Foi o que me fez prestar atenção na música, e é isso o que um bom clipe deve fazer. Gosto da idéia do one-man-video, da sensação, mesmo que totalmente falsa, de que o clipe foi feito e concebido por só uma pessoa. Uma idéia na cabeça e uma web-cam na mão, além de um quarto com alguns objetos cênicos, como o ótimo clipe de Mallu Magalhães, versinho de número 1. E é a utilização desses objetos, junto com a economia formal do plano fixo, que dão toda a graça da cena. No primeiro plano, uma torneira pingando, como algo não resolvido na vida - pelo menos é essa a sensação que me dá uma torneira que pinga, uma coisa que alguém esqueceu e deixou ali - ao mesmo tempo que é um estranho índice de vida em um objeto considerado inanimado. Explico: a água que pinga também remete a um pulso, e a pulsação sempre é de vida. Uma casa com uma torneira que pinga sempre é uma casa habitada.

Outro aspecto interessante do clipe é que a luz é sempre ou proveniente desses objetos ou focada neles, e nunca no personagem em cena - estranho chamar de personagem alguém que não canta nem fala, nem faz quase nada a não ser operar essa pequena sinfonia de objetos domésticos , mas tudo bem.

A idéia talvez seja a de que essas coisas banais é que dêem sustância à sua vida. Não as coisas em si, mas talvez o que elas representem, porque há neles alguma coisa do mundo que os cerca, seja no ato de abrir a geladeira para passar o calor, ou para pensar, ou mesmo na própria referência metalinguística sobre o uso de ventiladores em ensaios fotográficos e diversos clipes, como se vento nos cabelos tornasse a vida mais glamourosa ou mais suportável. No caso aqui, a ironia é maior ainda pela simples falta de longos cabelos para se balançar.

Há nisso tudo uma tensão enorme entre a vida cotidiana, representada por esses objetos, e algo que transcenda a ela, busca tão amplamente enfocada nos nossos mais diversos meios de comunicação de massa. O fato do personagem, e talvez seria melhor falar performer ou regente da performance que é executada pelos objetos, não dublar a música, mas ficar ''fazendo nada'', quando quem acompanha a música é um frio slide show, talvez seja o que melhor exemplifique essa tensão. Se são essas pequenas coisas que representam tudo que há de mais sem graça na vida, pelo menos sob a ótica de uma cultura visual ou mesmo daquilo que é considerado lazer e entretenimento, se elas são o símbolo do tédio ou algo do tipo, são elas que fazem o clipe acontecer, e não o rapaz que estão sentado no centro do quadro, apesar de ser ele quem opera as máquinas.

A pergunta no final não deve ser se os eletrodomésticos são capazes ou não de trazer a felicidade de nós reles mortais, como faziam crer as propagandas de equipamentos domésticos da década de 50, mas o quanto de nossa ''every day life" não faz parte de nossa vida, e que esses momentos vulgares, não só os dos afazeres domésticos, mas aqueles em que não estamos sobre o efeito de nossa mais nova paixão ou realizados com algum projeto particular, fazem parte da vida e devem ser valorizados como tal. No final, a vida não precise, realmente, de um motivo para ser celebrada.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Woody Allen até dar uma dor

O quase tradicional Cineclube da Vila das Artes resolveu fazer uma manobra ousada: em vez de filmes semanais, exibições diárias que irão percorrer toda a cinematografia do diretor de Noivo neurótico, Noiva nervosa.

A mostra, intitulada Woody Allen Por Ele Mesmo, começa hoje, segunda, e vai até dia 10 de março, com exibições de segunda à sábado a partir das 18:30h. Às quartas-feiras, como de costume, haverá debate com algum pesquisador ou cineasta pra falar sobre o filme. A Vila das Artes fica na rua 24 de Maio, 1221, no Centro, quase em frente à praça da Bandeira (atrás da Casa do Barão, aquele casarão amarelo). A entrada é gratuita.


Programação:
"Woody Allen – Uma Vida em Filmes" (dia 2), "Um Assaltante Bem Trapalhão" (dia 3), "Bananas" (dia 4), "Tudo o que você queria saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar" (dia 5), "O Dorminhoco" (dia 6), "A Última Noite de Boris Grushenko" (dia 9), "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (dia 10), "Interiores" (dia 11), "Manhattan" (dia 12), "Memórias" (dia 13), "Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão" (dia 16), "Zelig" (dia 17), "Broadway Danny Rose" (dia 18), "A Rosa Púrpura do Cairo" (dia 19), "Hannah e Suas Irmãs" (dia 20), "A Era do Rádio" (dia 26), "Setembro" (dia 27). Em março, a programação se estende nos dias 2, com exibição de "A Outra", e no dia 3, "Crimes e Pecados".

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Investimento furado

Cashback, de Sean Ellis

Cashback
é uma gíria para uma mutreta inglesa pouco conhecida em terras brasileiras: a prática de, ao passar um compra no cartão, pedir para o caixa da loja debitar um valor mais alto da mercadoria, e receber dele de volta o valor excedente. Um jeitinho pra conseguir um dinheiro vivo e gastar como quiser.

O filme homônimo do diretor britânico Sean Ellis parece obedecer a uma lógica parecida. Ao encher seu filme de efeitos e manipulações da imagem, parece acreditar que obterá em retorno alguma espécie de troco, no caso o respaldo crítico. Bem longe disso, o filme parece se enquadrar perfeitamente no tipo de cinema que Luiz Carlos Oliveira Jr. define como ''publicitário''. Nele, menos do que a mensagem em si, o que importa é a clareza e efetividade com que esse conteúdo é repassado; usar um recurso de maneira a atingir o resultado esperado, nunca preocupar-se em realmente criar algo que dê para o espectador a responsabilidade de tentar decodificar.

O excepcional tratamento de som, quase sempre limpo, sem trilha sonora, dá um interessante tom de assepsia interessante ao filme, que se passa quase todo em madrugadas dentro de um supermercado, além de ter uma forte narração em off do personagem principal, mas não consegue esconder a total falta de sustentação do argumento central da película.

A história, resumidamente, é a de um estudante de artes plásticas que depois do fim de seu relacionamento com a namorada começar a passar as noites insones refletindo sobre o que levou ao fim do relacionamento. Resolve então usar as horas a mais acordadas para ganhar um dinheiro extra trabalhando no supermercado, e acaba descobrindo que, para enganar o tédio, tem o poder de paralizar o tempo. O filme tem efeitos arrojados, tanto nas cenas em que os personagens ficam congelados no espaço ao comando do pensamento do personagem principal, quanto nas transições de cena em que um cenário se liga diretamente com o outro, sem que haja conexão espacial real entre eles.

Os personagens, entretanto, nunca chegam perto de serem críveis nem muito menos interessantes. Pelo contrário, agem como que forçados por um manual de roteiro a mudar de atitude em rompantes de forma a atender a necessidade arbitrárias de viradas no roteiro em momentos calculados. O capricho da parte técnica do filme chega a dar um tom interessante à narrativa, uma embalagem que chega a cheirar a ''cinema de arte'', por mais problematizável que seja o termo. Mas a película acaba se aproximando mais, e mal, com o gênero da comédia romântica, o que não é um problema em si, se este não fosse um péssimo exemplar do estilo. Isso sem falar dos patéticos momentos em que tudo degringola para o mais típico besteirol americano, na péssima sequência do jogo de futebol entre os funcionários da empresa em que o personagem principal trabalha.

Não sei até que ponto minha frustração com o filme veio de esperar dele alguma coisa a mais encorpada, pelo próprio auê feito em torno dele - o curta homônimo que deu origem ao filme, Cashback, ganhou o Oscar de melhor curta-metragem em 2003. Mais um sinal de pouca inventividade, o cineasta simplesmente rodou mais sequências e enxertou o curta, inteiro, do mesmo jeito que estava, no meio do longa que criou. E o pior, os momentos mais interessantes do filme acabam sendo justamente o fragmento pré-existente, onde os problemas citados, talvez pelo menor tempo, são bem menos evidentes.

Vi o filme na última quarta, na primeira sessão mobilizada pelo site Movie Mobz em que fui. A sala estava razoavelmente lotada para um dia de meio da semana, o que me fez acreditar que a idéia de marcar sessões pela internet pode realmente dar certo. A sessão começou na hora, a projeção, feita a partir de um arquivo digital enviado por satélite funcionou direitinho, sem falar do horário, 19h, surpreendentemente mais cedo do que o habitual, que costumava ser 21h. Só falta mais gente participar, e escolher filmes mais bacanas.

ps: consertei o link do curta.

***
Em breve teremos mais gente escrevendo aqui. O Petrus, que já consta a um tempona lista de colaboradores ali ao lado, deve estrear no Iguatu com uma crítica sobre o filme Ossos, de Pedro Costa, e vai contribuir regularmente pro site. Aguardem!

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Maysa 2 - Quando o coração para de falar um pouco

Não assisti o restante da minissérie para poder mudar de opinião. Acompanhei um ou outro trecho que não me deu vontade de voltar a acompanhar a série com calma. Pelo que eu vi ficou naquilo mesmo: uma Maysa mimada, a participação excessiva e muitas vezes descabida de familiares, que pouco tinham de relevância pra história, as imitações histriônicas de Larissa Maciel dublando pessimamente a cantora.


Mas como nem tudo pode ser tão ruim, vim aqui reconhecer uma pequena exceção. Trata-se da atuação espertíssima de Mateus Solano (na foto, à esquerda) como Ronaldo Bôscoli. Sua participação foi um refresco em tanta pieguice e mediocridade. O próprio personagem já ajudava, um canastrão charmoso, mas o charme mesmo só pode ser dado pelo ator. Uma boa descoberta. Espero vê-lo mais vezes por aí.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Quando fala o coração do filho-diretor

Mais do que uma biografia ou homenagem, ‘’Maysa, quando fala o coração’’ parece ser um acerto de contas sentimental do diretor Jayme Monjardim com a cantora, sua mãe. Enorme sucesso no final da década de 50, Maysa largou o casamento com André Matarazzo, um dos homens mais ricos de São Paulo, assim como o filho que teve com ele, o próprio Jayme.

Motivação mais familiar seria impossível, o que por si só não impediria uma bela tentativa de resgate afetivo da memória. É uma pena, porém, que ao fazê-lo o diretor pareça trocar o sentimento - e quando se fala da cantora este é um pecado gravíssimo - pelo mero sentimentalismo.


Em vez de contar uma história, as imagens aqui tratam de ser sublinhas, seja pelo texto por demais pedagógico, as elipses mal colocadas e repetitivas ou a trilha sonora redundante, tudo, no final, uma grande redundância. O que resta de obra, no final, é só a superfície.

Brilhante, sempre, é verdade: uma fotografia esplendorosa, reconstituição de época idem. Segundo o site da minissérie, boa parte dos vestidos usados ou são da própria Maysa, ou são baseados em modelos que a própria usou. Tudo extremamente bem feito e apurado, mas tanta produção que parece esquecer que além de belo tudo aquilo deveria ter ao menos vida.

Um exemplo é a atriz-reencarnação de Maysa, Larissa Maciel, que foi escolhida entre mais de 1000 meninas para literalmente encarnar a cantora. De tão assustadoramente parecida com a intérprete de Tarde Triste, o próprio espectador que conhece minimamente a artista é levado por alguns instantes a esquecer que ela tem que atuar. Mas o engano não persiste, a não ser no diretor, que parece realmente muito mais disposto a tentar fazer uma morta andar e falar do que ajudar a atriz a construir uma personagem. E é isso que ela faz, imita Maysa. No final, somente uma caricatura.

Seria injusto, porém, responsabilizar somente a atriz pela má qualidade da minissérie. Talvez seja ela o menor dos problemas, assim como as atuações, todas bastante engessadas. Por um lado, tratam-se dos anos 50, e Maysa realmente deveria pronunciar muito bem os erres de cada palavra, porque era moça de família e cantora de dicção perfeita. André Matarazzo, por sua vez, que de tão duro parece saído diretamente de um intensivo de RPG(Reeducação Postural Global) de 10 anos, talvez também fosse austero como representado na telinha. Mas é uma pena que, para além do gesso da época, eles pareçam simplesmente ocos.

Primeiro porque o texto de Manoel Carlos, o artífice dos cotidianos milimetricamente espontâneos simplesmente não consegue lidar com as frases de efeito disparadas a toda hora pela boca de Maysa, que falava assim mesmo, basta ler suas entrevistas. Na vida real, entretanto, conseguia soar autêntica, coisa que quase nunca acontece aqui.


A fotografia, apesar de exuberante com suas cores saturadas, enquadramentos e luz cinematográfica, também não consegue fazer a coisa deslanchar. Pelo contrário, o diretor não se entregar a história da personagem, cheia de cenas – no sentido teatral mesmo, porque Maysa é teatral em todos os sentidos - e fatos interessantes. Pelo contrário, prefere mostrar o óbvio, usar jogos de mis en cene esquemáticos. Apega-se a cenas clichês como a da noiva entrando no altar ou a despedida dramática dos pais da filha que dali a pouco sofreria um acidente fatal. Enfim, um exagero usado para contar uma história que já continha por si só cores fortes.

E talvez a história de Maysa só pudesse ser contada assim mesmo, de maneira kitsch, reflexo de sua própria persona. Se a ambientação ou a fotografia vez ou outra remete à um Amor à Flor da Pele, de Wong Kar Wai, que usa a exacerbação de recursos pra acompanhar com paixão a própria paixão dos personagens, imagem e representação parecem totalmente descolados no caso da tele-biografia.

Uma pena, pois, visto que a minissérie é baseada no livro escrito por Lira Neto, Maysa, Só numa multidão de amores, que cumpre a missão de contar a história com certa objetividade sem deixar de torná-la deliciosa. Feliz, porém, que a minissérie, apesar de tudo, possa ajudar a recuperar a memória da escritora, nossa diva sofredora dos palcos, como define Marina de la Riva, hoje em dia tão injustamente esquecida.