fim de mundo com lan-house

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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Investimento furado

Cashback, de Sean Ellis

Cashback
é uma gíria para uma mutreta inglesa pouco conhecida em terras brasileiras: a prática de, ao passar um compra no cartão, pedir para o caixa da loja debitar um valor mais alto da mercadoria, e receber dele de volta o valor excedente. Um jeitinho pra conseguir um dinheiro vivo e gastar como quiser.

O filme homônimo do diretor britânico Sean Ellis parece obedecer a uma lógica parecida. Ao encher seu filme de efeitos e manipulações da imagem, parece acreditar que obterá em retorno alguma espécie de troco, no caso o respaldo crítico. Bem longe disso, o filme parece se enquadrar perfeitamente no tipo de cinema que Luiz Carlos Oliveira Jr. define como ''publicitário''. Nele, menos do que a mensagem em si, o que importa é a clareza e efetividade com que esse conteúdo é repassado; usar um recurso de maneira a atingir o resultado esperado, nunca preocupar-se em realmente criar algo que dê para o espectador a responsabilidade de tentar decodificar.

O excepcional tratamento de som, quase sempre limpo, sem trilha sonora, dá um interessante tom de assepsia interessante ao filme, que se passa quase todo em madrugadas dentro de um supermercado, além de ter uma forte narração em off do personagem principal, mas não consegue esconder a total falta de sustentação do argumento central da película.

A história, resumidamente, é a de um estudante de artes plásticas que depois do fim de seu relacionamento com a namorada começar a passar as noites insones refletindo sobre o que levou ao fim do relacionamento. Resolve então usar as horas a mais acordadas para ganhar um dinheiro extra trabalhando no supermercado, e acaba descobrindo que, para enganar o tédio, tem o poder de paralizar o tempo. O filme tem efeitos arrojados, tanto nas cenas em que os personagens ficam congelados no espaço ao comando do pensamento do personagem principal, quanto nas transições de cena em que um cenário se liga diretamente com o outro, sem que haja conexão espacial real entre eles.

Os personagens, entretanto, nunca chegam perto de serem críveis nem muito menos interessantes. Pelo contrário, agem como que forçados por um manual de roteiro a mudar de atitude em rompantes de forma a atender a necessidade arbitrárias de viradas no roteiro em momentos calculados. O capricho da parte técnica do filme chega a dar um tom interessante à narrativa, uma embalagem que chega a cheirar a ''cinema de arte'', por mais problematizável que seja o termo. Mas a película acaba se aproximando mais, e mal, com o gênero da comédia romântica, o que não é um problema em si, se este não fosse um péssimo exemplar do estilo. Isso sem falar dos patéticos momentos em que tudo degringola para o mais típico besteirol americano, na péssima sequência do jogo de futebol entre os funcionários da empresa em que o personagem principal trabalha.

Não sei até que ponto minha frustração com o filme veio de esperar dele alguma coisa a mais encorpada, pelo próprio auê feito em torno dele - o curta homônimo que deu origem ao filme, Cashback, ganhou o Oscar de melhor curta-metragem em 2003. Mais um sinal de pouca inventividade, o cineasta simplesmente rodou mais sequências e enxertou o curta, inteiro, do mesmo jeito que estava, no meio do longa que criou. E o pior, os momentos mais interessantes do filme acabam sendo justamente o fragmento pré-existente, onde os problemas citados, talvez pelo menor tempo, são bem menos evidentes.

Vi o filme na última quarta, na primeira sessão mobilizada pelo site Movie Mobz em que fui. A sala estava razoavelmente lotada para um dia de meio da semana, o que me fez acreditar que a idéia de marcar sessões pela internet pode realmente dar certo. A sessão começou na hora, a projeção, feita a partir de um arquivo digital enviado por satélite funcionou direitinho, sem falar do horário, 19h, surpreendentemente mais cedo do que o habitual, que costumava ser 21h. Só falta mais gente participar, e escolher filmes mais bacanas.

ps: consertei o link do curta.

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Em breve teremos mais gente escrevendo aqui. O Petrus, que já consta a um tempona lista de colaboradores ali ao lado, deve estrear no Iguatu com uma crítica sobre o filme Ossos, de Pedro Costa, e vai contribuir regularmente pro site. Aguardem!

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Maysa 2 - Quando o coração para de falar um pouco

Não assisti o restante da minissérie para poder mudar de opinião. Acompanhei um ou outro trecho que não me deu vontade de voltar a acompanhar a série com calma. Pelo que eu vi ficou naquilo mesmo: uma Maysa mimada, a participação excessiva e muitas vezes descabida de familiares, que pouco tinham de relevância pra história, as imitações histriônicas de Larissa Maciel dublando pessimamente a cantora.


Mas como nem tudo pode ser tão ruim, vim aqui reconhecer uma pequena exceção. Trata-se da atuação espertíssima de Mateus Solano (na foto, à esquerda) como Ronaldo Bôscoli. Sua participação foi um refresco em tanta pieguice e mediocridade. O próprio personagem já ajudava, um canastrão charmoso, mas o charme mesmo só pode ser dado pelo ator. Uma boa descoberta. Espero vê-lo mais vezes por aí.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Quando fala o coração do filho-diretor

Mais do que uma biografia ou homenagem, ‘’Maysa, quando fala o coração’’ parece ser um acerto de contas sentimental do diretor Jayme Monjardim com a cantora, sua mãe. Enorme sucesso no final da década de 50, Maysa largou o casamento com André Matarazzo, um dos homens mais ricos de São Paulo, assim como o filho que teve com ele, o próprio Jayme.

Motivação mais familiar seria impossível, o que por si só não impediria uma bela tentativa de resgate afetivo da memória. É uma pena, porém, que ao fazê-lo o diretor pareça trocar o sentimento - e quando se fala da cantora este é um pecado gravíssimo - pelo mero sentimentalismo.


Em vez de contar uma história, as imagens aqui tratam de ser sublinhas, seja pelo texto por demais pedagógico, as elipses mal colocadas e repetitivas ou a trilha sonora redundante, tudo, no final, uma grande redundância. O que resta de obra, no final, é só a superfície.

Brilhante, sempre, é verdade: uma fotografia esplendorosa, reconstituição de época idem. Segundo o site da minissérie, boa parte dos vestidos usados ou são da própria Maysa, ou são baseados em modelos que a própria usou. Tudo extremamente bem feito e apurado, mas tanta produção que parece esquecer que além de belo tudo aquilo deveria ter ao menos vida.

Um exemplo é a atriz-reencarnação de Maysa, Larissa Maciel, que foi escolhida entre mais de 1000 meninas para literalmente encarnar a cantora. De tão assustadoramente parecida com a intérprete de Tarde Triste, o próprio espectador que conhece minimamente a artista é levado por alguns instantes a esquecer que ela tem que atuar. Mas o engano não persiste, a não ser no diretor, que parece realmente muito mais disposto a tentar fazer uma morta andar e falar do que ajudar a atriz a construir uma personagem. E é isso que ela faz, imita Maysa. No final, somente uma caricatura.

Seria injusto, porém, responsabilizar somente a atriz pela má qualidade da minissérie. Talvez seja ela o menor dos problemas, assim como as atuações, todas bastante engessadas. Por um lado, tratam-se dos anos 50, e Maysa realmente deveria pronunciar muito bem os erres de cada palavra, porque era moça de família e cantora de dicção perfeita. André Matarazzo, por sua vez, que de tão duro parece saído diretamente de um intensivo de RPG(Reeducação Postural Global) de 10 anos, talvez também fosse austero como representado na telinha. Mas é uma pena que, para além do gesso da época, eles pareçam simplesmente ocos.

Primeiro porque o texto de Manoel Carlos, o artífice dos cotidianos milimetricamente espontâneos simplesmente não consegue lidar com as frases de efeito disparadas a toda hora pela boca de Maysa, que falava assim mesmo, basta ler suas entrevistas. Na vida real, entretanto, conseguia soar autêntica, coisa que quase nunca acontece aqui.


A fotografia, apesar de exuberante com suas cores saturadas, enquadramentos e luz cinematográfica, também não consegue fazer a coisa deslanchar. Pelo contrário, o diretor não se entregar a história da personagem, cheia de cenas – no sentido teatral mesmo, porque Maysa é teatral em todos os sentidos - e fatos interessantes. Pelo contrário, prefere mostrar o óbvio, usar jogos de mis en cene esquemáticos. Apega-se a cenas clichês como a da noiva entrando no altar ou a despedida dramática dos pais da filha que dali a pouco sofreria um acidente fatal. Enfim, um exagero usado para contar uma história que já continha por si só cores fortes.

E talvez a história de Maysa só pudesse ser contada assim mesmo, de maneira kitsch, reflexo de sua própria persona. Se a ambientação ou a fotografia vez ou outra remete à um Amor à Flor da Pele, de Wong Kar Wai, que usa a exacerbação de recursos pra acompanhar com paixão a própria paixão dos personagens, imagem e representação parecem totalmente descolados no caso da tele-biografia.

Uma pena, pois, visto que a minissérie é baseada no livro escrito por Lira Neto, Maysa, Só numa multidão de amores, que cumpre a missão de contar a história com certa objetividade sem deixar de torná-la deliciosa. Feliz, porém, que a minissérie, apesar de tudo, possa ajudar a recuperar a memória da escritora, nossa diva sofredora dos palcos, como define Marina de la Riva, hoje em dia tão injustamente esquecida.