fim de mundo com lan-house

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Quatro mulheres - e um homem - à beira de um ataque de nervos

Nesse sábado, dia 19, vai rolar a exibição do Lola, meu primeiro curta de ficção, produzido no ateliê Imagem e Narrativa da Escola de Audiovisual da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Não só o meu, aliás, mas O Balão, O Começo e Princesa, todos resultados do mesmo ateliê. A exibição acontece a partir das 16h e é aberta ao público. O engraçado é que todos, de alguma forma, são curtas sobre mulheres, um pouco solitárias, um pouco loucas. Não uma loucura inexplicada, mas talvez um ataque de nervos, momentâneo, causado por alguma situação extrema. Como nossas queridas protagonistas do Almodóvar.


Princesa, de Rafaela Diógenes, acompanha a trajetória de uma atriz de espetáculos infantis que vaga pelas ruas vestida de Branca de Neve, a Branca de Neve mais gara borralheira de todo o sempre. Em um reino nada distante, tem que conviver com a frustração de conseguir atingir somente a sombra de seus sonhos e fantasias.


Em O começo, de Camila Vieira e Hugo Pierot, dois ex-amantes marcam um encontro na praia. O trato é enterrar todos os pertences acumulados durante anos de relação entre os dois. Toda a dor e a beleza dessa pequena cerimônia fúnebre romãntica são a matéria bruta da narrativa.




Meu filme, Lola, de na verdade é sobre Maria de Lourdes, moça vaidosa, quase rica, que um dia leva um pé na bunda de seu namorado. Sozinha e sem muito o que fazer em casa, começa a ficar obsessiva com seu cabelo e maquiagem, quando, um belo dia, seu cabelo transforma-se em uma peruca platinada. A partir daí, a vida volta a acontecer.


Apaixonada por uma foto de alguém que nunca conheceu, em O Balão, de Andressa Back, uma jovem passa a ficar obsessiva com o objeto do título, presente na tal fotografia pela qual se apaixonou. A partir daí, passa a andar pelas ruas, com um objeto idêntico, na esperança de um dia encontrar seu misterioso amor.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Aldeias, aerolândias e aldeotas


Fortaleza é um deserto. Uma cidade não inventada. Quase tudo é resto. Tanto que quando uma revista tentou olhar para a cidade, assumindo-a como província e com afeto, o reflexo no espelho, inesperado, foi tão forte que rachou. E surge uma revista aérea, com cara de aldeia, mas sem rosto, de nomes estranhos e referindo-se a um bairro distante até mesmo de seus escritores.
Aldeota se apropriou de um espaço. Uma espaço que não é um bairro. É o espaço da pequena aldeia, aldeota. Lugar de glamour e provincianismo. Ao seu lado, a revista irmã, Aerolândia. Uma ode à marginalidade e ao mau gosto. Claramente uma reação. Porque ninguém tinha pensado nessa idéia antes?

As duas revistas são muito parecidas. Feitas por grupos bem próximos entre si, com uma identidade própria, quase única. Mas aí entra a questão da cidade, do oposto da identidade: como se constituir, como ser em relação ao outro. Trocando em miúdos, a questão da alteridade.
A Aldeota é bastante dialógica. Não pretende falar de tudo, mas trata tudo com o mesmo afeto. Da Aldeota ao Benfica, que são mais ou menos os seus limites. Às vezes quase cínica em seu exibicionismo, quase sempre histriônica, mas exposta em seus afetos e defeitos. É muito claro o lugar de onde se fala. É muito claro do que se fala. De classe média, média, quase alta, para essa mesma classe. Talvez a Aldeota tenha sido, inclusive, a primeira revista de classe média do mundo. Brincadeira, mas do Brasil, ou do Ceará, com toda a certeza.

E classe média não existe, na verdade. É tudo uma invenção. Como toda identidade. Assumi-la como invenção, porém é o primeiro passo para fugir da mediocridade.



O problema da Aerolândia não é ser uma revista anônima. Mas de ser uma revista que se esconde. De textos que não se expõem. Que brincam de falar de um universo que não lhes pertence, mas não deixa espaço para fissuras, parece alheio às próprias limitações inerentes ao ato de falar de qualquer coisa, especialmente do outro.

Quando falo de texto também falo de imagem. Na revista, a máscara do pobre é uma máscara opaca, impossível de ver o rosto de seu ator. Como se fosse possível livrar-se de si, do seu lugar, e com isso de qualquer amarra ética. Tudo bem associar o nome de um bairro à miserabilidade. Tudo bem ser misógino e preconceituoso. Contra ricos, ele é válido, crê-se. Anônimos, realmente podem, sem conseqüências maiores, mesmo que ofendam diversos públicos.

Depois de colher os louros da associação à Aldeota, a revista reviu seu próprio percurso, tentando, aos trancos e barrancos, se dissociar de sua iamgem. O nome de bairro, a idéia de oposição, porém, continuam explicitando a tentativa de reflexo no espelho. Nele, pra quem não lembra, a imagem é invertida, mas igualzinha àquela que é refletida.

No caso da Aerolândia, um espelho turvo. Ao contrário de sua tentativa de ser antítese do espelho, conseguiu ser opaca, e não reflexo. Sua arrogância e exibicionismo travestidos de zombaria não deixam ver que olhar é esse que olha os ricos, os pobres, a cidade, e principalmente, o que não se resume a conceitos tão estanques.

Na Aldeota, aspectos pouco louváveis ou não pertencentes a certos valores burgueses com um ranço patrulhamento de esquerda. Quem fala e de onde falam são quase a mesma coisa, explícitas, em carne viva. Ou seja: sem problemas em viver a vida, comer bem, gostar de utensílios de luxo ou de alguma sofisticação. Tentar se encaixar e ver a cidade como mais cosmopolita e mais ligada à Nova York, ou ligada também à Nova York e não só à província. Porque não há nada mais deliciosamente provinciano do que tentar ser Nova York. Mas com criatividade, vendo o legal em um lugar marginalizado, em vez de achar legal ser marginalizado. Há uma diferença de afeto e de estima bem clara.

Em sua brincadeira de emular os marginalizados da revista aérea, os pobres nunca serão iguais a nós, seres letrados ou com alguma instrução e vivendo uma vida com algum luxo, inclusive podendo perder algum tempo com uma revista online.

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O interesse desse texto é fomentar o debate. Outros textos sobre Aldeota/Aerolândia podem vir a ser publicados. Quem quiser, é só mandar e-mail para breislima@gmail.com. A única exigência é não se manter anônimo.