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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Exército pelos ares

Assisti ontem ao documentário de Guilherme Coelho, PQD, sobre um grupo de jovens da zona oeste do Rio de Janeiro que prestam serviço militar na brigada paraquedista do exército. Saí com um sorriso sereno acompanhado de um estranho e deslocalizado incômodo.

A proposta do filme, de ser ''um filme sobre estar no exército, não sobre a instituição em si'', pra começar, me fez total sentido. Quer dizer, se é impossível não falar do exército fazendo um filme que se passa dentro dele, a escolha de Guilherme talvez tenha sido uma das mais felizes possíveis: fazer esse retrato a partir, se não do olhar, mas da observação dos jovens que, aos 18 e poucos anos, resolvem alistar-se como opção de vida, fruto, segundo o senso comum, da possibilidade de um ordenado ou futuro emprego garantido.

E o documentário realmente aponta nessa direção, mas mais que isso: como um cristal que decompõe a luz branca em sete cores, estilhaça em mil caminhos as causas, razões e consequências de ser um jovem na corporação. Muito dos personagens fazem a escolha soar completamente plausível. A instituição aparece, por mais agruras que os recrutas passem lá, como um lugar positivo. Duro e sofrido, mas de intensa capacidade formativa.


Talvez tenha sido daí o meu incômodo. Assumindo minha posição e formação de classe média,
com sua típica aversão ao Exército advinda de todo o trauma da ditadura, tive confrontados meus conceitos e preconceitos, quase todos driblados pelo documentário ao dar contornos e complexidades à essa escolha que parece, para a maioria de nós, tão impensável. Iss
o porque, apesar de não ser de forma alguma um posicionamento crítico e contundente contra o exército, não peca pelo caráter oposto, o de um oficialismo ou viés propagandista. Da mesma forma que os vitoriosos no processo de seleção para efetivação no exército são ouvidos e carinhosamente retratados, há o espaço tão afetivo quanto para os que ficam pelo meio do caminho. Mais que isso, pelos que decidem, por vontade própria, dar meia volta e assumir as consequências pela deserção, que no exército não são poucas e incluem a prisão militar.

O que o filme parece dizer, no final das contas, é que o Exército é sim um caminho viável e enriquecedor para certos jovens, mas não para todos, que não são piores ou menos dignos que os outros. Mais do que jovens no Exército, aliás, o filme parece falar sobre certa juventude de classe média baixa que, a despeito dos preconceitos e estigmatizações onipresentes na sociedade brasileira(e falo de mim mesmo como parte dessa sociedade), possui um foco e aspira por uma vida melhor a ser atingida através do trabalho, e bastante árduo por sinal.

O que chama atenção, por exemplo, é o fato de os personagens, desde o início do filme, quando são entrevistados pouco antes de entrarem no serviço militar, mostram-se extremamente determinados e, quiçá, previamente disciplinados. Sim, porque se o que podíamos esperar da documentação do processo de formação de um jovem militar seria sua conversão da indisciplina para a retidão e obediência, o que vemos é uma vontade de ordem anterior ao próprio condicionamento à ela.

Isso não quer dizer, entretanto, que aqueles que se adequam são só isso, algum tipo de máquina ou peão de guerra(guerra essa, inclusive que nunca aconteceu no Brasil, mais um motivo para a importância de abordar o Exército a partir da questão do serviço militar, algo temporário e quase desvinculado de consequência prática). Pelo contrário, logo no início do filme somos apresentados a personagens multifacetados e criativos como Pedro Henrique, que compõe e toca teclado, ou de outro que, já no alojamento, canta uma canção de sua própria autoria.

O que transparece nesses jovens, talvez mais do que à predisposiçao ou necessidade de se submeter ao rigor, é sua enorme vontade de vida. Vontade essa que lhes faz conseguir se subtmeter ao Exército, mas não como um fim em si, mas maneira de alcançar alguma outra coisa, nem tão imediata assim como o sustento. Um exemplo é caso de Joseph Ferreira, um dos rapazes mais dóceis e dedicados acompanhados na película, que ao ser efetivado, resolve começar a estudar administração. Se o Exército não é a solução final, é uma etapa importante na sua vida, pois é com o dinheiro de seu ordenado que ele paga a faculdade particular.

É com essa problematização da vida destes jovens e suas oportunidades, que o filme de Guilherme Colho consegue fazer um relato de alto interesse e caráter humano. Se há algumas possíveis falhas de dramaturgia ao apresentar personagens que vão sendo abandonados no decorrer, talvez esta seja uma consequência da própria escolha de enfocar os tortuosos caminhos reais de 70 jovens que começam sua vida profissional em um meio como o Exército. Se alguns são deixados para trás, outros surgem no meio do caminho, somem e são recuperados, como é o caso de Lucente, que resolve desertar por não conseguir se submeter à forte hierarquia do quartel, dando um interessante depoimento sobre as falhas do próprio Exército e as vantagens de construir uma carreira no mercado liberal.

Lucente, entretanto, apesar das críticas, diz que nunca vai esquecer de um momento sublime, o seu primeiro pulo de paraquedas, registrado pelo filme de maneira igualmente sublime. Depois de filmar os recrutas pulando de dentro avião, a câmera se desloca para o ar, logo abaixo dos paraquedistas. Abrindo-se em forma de flor ou de aéreas águas vivas, o som de repente cessa, e vemos apenas as dezenas de guarda-chuvas cinzas pairando no ar. Há algo de sonho nessa imagem, e certamente apostar no sonho destes personagens é o ponto mais forte de PQD.