fim de mundo com lan-house
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domingo, 7 de março de 2010
Nine, de Rob Marshall
Estava com medo, muito medo de ver Nine. Não por ser especialmente fã de Fellini, nem o contrário, muito menos por antipatizar com musicais. Este último, aliás, muito pelo contrário. Gosto tanto que estou fazendo minha monografia sobre o tema. O que me assustou realmente foi o mais absoluto e retumbante fracasso, de público e crítica, que o filme sofreu, tanto nos EUA como no Brasil.
Assisti Chicago há um bom tempo, mas pelo que lembro, sou fã do trabalho de Rob Marshall como diretor e coreógrafo, funções que emula quase tão bem quanto sua clara fonte de inspiração, o fantástico Bob Fosse. Não que a única virtude de um musical seja sua capacidade de pensar a dança e a música em conjunção com a narrativa e a linguagem cinematográfica, mas aí está grande parte de sua graça. E é mais ou menos aí que as coisa começa desandar, pelo menos para explicar o fracasso comercial do filme: não há nenhum esforço de naturalizar as canções, nem dar um charme videoclíptico(Moulin Rouge), nem trabalhar em cima da nostalgia do próprio gênero(Canções do Amor).
Nine não tenta reinventar a roda e trabalha quase como um musical clássico, hoje vítimas de claríssima rejeição. Eu digo quase, porque até os musicais clássicos operavam a transformação do ''mundo real'' em ''mundo da fantasia'' apenas com um leve movimento, sem necessitar separar as duas instâncias. Porque em Nine elas são, inclusive, geograficamente separadas: todas as canções são encenadas em um galpão onde reside uma enorme estrutura que parece ao mesmo tempo desfuncional e uma espécie de Roma desconstruída.
Talvez seja a tentativa de explicitar para o público que as canções são parte da viagem interior de Guido para tentar construir seu filme, o qual se passará, afinal, em um galpão cinematográfico. Mas o neorrealismo não teve como uma das pedras de toque colocar a câmera na Rua e filmar algo muito próximo da vida, mesmo nos devaneios mais malucos do protagonista de 8 1/2? Pois Nine não é ingênuo e toma a questão para si, como explicita a personagem de Judy Dench, figurinista e confidente de Guido, ao sugerir uma solução para o impasse criativo do diretor: Folie Bergère!
A sugestão é que talvez Guido fosse menos ''existencialista'' se permitisse fazer um filme de pura beleza - um musical. Aí a chuverada de críticas sobre a superficialidade e afetação dessa posição estética efetivada em Nine. O fato é que ela não se faz simplesmente como negação da angústia, mas na verdade para aplacar um outro desconforto: o da total voracidade de 8 1/2, calcado na força centrípeta com que Guido engole e recria o mundo a sua volta, que por mais caótico que pareça ainda transita apenas em sua órbita e atropela todas as personagens com as quais se relaciona.
Nada mais político do que eleger, no final das contas, Luísa Contini(Marion Cotillard), sua esposa - nada mais sintomático do que eu sequer lembrar exatamente de sua participação no original - agora como uma co-protagonista do espetáculo. Sim, porque mesmo aparecendo apenas lá pela metade do filme, Luísa é a única a possuir duas músicas no filme, proeza adequirida apenas pelo próprio Guido. Todas as outras músicas, veja só, são cantadas pelas mulheres de sua vida, e está aí a grande sacada do filme: dar voz à todas aquelas que apenas ''apareciam'' em 8 1/2.
E o interessante é o quanto as vozes são dissonantes e ao mesmo tempo denotam algo em comum. Saraguina(Fergie), a prostituta louca, pede aos garotos que lhe dão trocados para que lhes mostre o corpo ''sejam italianos'', encorajando o esteriótipo do latino de sangue quente, figura difícil de dissociar do paternalismo machista. Stephanie(Kate Hudson), jornalista da Vogue, expressa sua paixão pelos figurinos e pelo glamour dos filmes ''italianos'', na verdade dos filmes de Guido.
À parte as críticas da superficialidade desse elogio, é difícil negar a plasticidade e exuberância dos filmes do próprio Fellini e o quanto isso faz parte da celebração à vida presente em toda sua filmografia. Ter um affair com o diretor, porém, é algo natural para Stephanie, mesmo sabendo que Luísa está ali, no mesmo hotel, há poucos quartos de distância. Enquanto isso Carla(Penélope Cruz) apenas geme esperando Guido, que claramente não consegue satisfazer nem amante, nem esposa. Confusas e mais ou menos equilibradas que as outras, o que quase todas essas mulheres têm em comum é sua insatisfação com Guido, ou uma satisfação extremamente superficial, mesmo que praticamente nenhuma delas consiga externar esse sentimento.
A exceção, porém, é Luisa, que depois de anos de sofrimento resolve dar um pé na bunda do marido, sequência metaforizada no magnífico strip tease que opera diante de uma multidão de homens e às vistas do marido.
O grande problema é a falta de ironia, tão cara à Fosse, e o arrependimento repentino de Guido pronto para possibilitar um final feliz para o casal oficial do filme. Será que a saída para essa mulher era ou ainda é esperar a absoluta (e inverossímel) conversão de seu amado, em vez de seguir sua própria vida, como o filme chega a insinuar que ela faria? Apesar de um trabalho interessantíssimo de revisão de 8 1/2, o filme acaba caindo na obviedade, mas não sem antes deixar seu rastro de beleza. E como sabe dirigir uma sequência de dança esse Rob Marshall.
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