fim de mundo com lan-house

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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Duas (três, quatro, cinco, seis) vezes Alice

Uma menina de férias, enclausurada em sua casa, sonha tanto quanto apenas imaginação e solidão juntas permitem: os objetos inanimados da casa ganham vida e viram seus melhores amigos. Um deles, o computador, acaba lhe transportando para um mundo encantado, onde cartas do tarô tem vida e uma rainha louca quer cortar a cabeça de todos. Em outro palco, quer dizer, no pátio nobre do Theatro José de Alencar, uma moça desnorteada percebe que perdeu a imaginação e resolve recupera-la de maneira, digamos, não muito lícita: recorre a uma droga misteriosa que a transporta de volta ao local que visitara anos antes, o País das Maravilhas – agora, na verdade, País do Espelho.


Uma esperta e desnorteada Alice na montage do grupo Cia. Plural de Artes Cênicas


São essas, respectivamente, as sinopses de Alice e o País das Maravilhas, espetáculo infantil do grupo Cia. Plural de Artes Cênicas, e Alice – Nem Tudo que Parece É, montagem dos alunos do Curso de Princípios Básicos de Teatro do Theatro José de Alencar. Apesar de partirem de leituras bem diferentes da obra de Lewis Carroll, ambas compartilham a mistura do enredo dos dois livros do autor, Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho, além de explorarem com competência a incrível habilidade que o argumento de Carroll possui de, por mais chacoalhado e remexido, continuar intacto em essência e quem sabe até ainda mais fiel à idéia original.


Essa é, afinal, uma história sobre uma grande confusão: seja ela passagem da infância à adolescência, um mergulho radical na própria infância ou um encontro cruel e agudo consigo mesmo, a história de Alice sempre transita no fio tênue entre o absurdo e a fantasia. Fantasia de quem costuma usar sonhar para tornar a vida divertida, mas de repente depara-se com o absurdo que é o contrário da liberdade da imaginação – seja esse o absurdo de si, no caso da peça que acontece no TJA, ou o absurdo dos outros, quiçá dos adultos, no caso da montagem da Cia. Plural.


Solidão e loucura


Com direção de Tonico Lacerda Cruz, a adaptação do grupo , surpreende pela ousadia de fazer uma peça infantil sobre a solidão, o que parece mais atual que nunca em tempos de condomínios fechados e computadores substituindo playgrounds. Há, afinal, coisa mais triste e mágica do que uma menina que faz amizade com a TV, o computador e o refrigerador? Além disso, o acréscimo desses personagens é um sopro de novidade numa história já tão conhecida dos pais que levam os filhos à montagem, e conseguem, por vezes, ser tão cativantes quanto o chapeleiro maluco ou a lagarta da história original.


A montagem dos alunos do Curso de Princípios Básicos, com direção de Silvero Pessoa, vai ainda mais longe na sua releitura, com um ritmo e interpretações tão lisérgicas quanto o espírito do livro de Carroll, mas aprofundando-se ainda mais na questão da crueldade, tão presente no livro. Entediada e sedenta pelo mundo “mágico” do país das maravilhas, o qual visitara já há algum tempo, uma agora Alice quase mulher parece não entender nada a sua volta, principalmente quando é rodeada de inúmeras versões de si mesma. Qual seria a verdadeira? Todas e nenhuma, incluindo aí a própria Rainha Vermelha, em uma inspiradíssima versão travesti.


Alice - Nem Tudo que Parece É - hoje, a partir das 19h, e neste sábado e domingo, às 17h no pátio nobre do Theatro José de Alencar (Pça. José de Alencar, s/n - Centro). Entrada gratuita. +Informações: 3101.2583. // Alice e o País das Maravilhas Em cartaz todos os sábados e domingos de agosto, às 17 horas, no teatro do Sesc Emiliano Queiroz (av. Duque de Caxias, 1701 – Centro). Ingresso: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia). Classificação livre. +Informações: 3452 9090.

Um comentário:

Ary disse...

Muito bom, Bruno.

Gostei da coisa da fantasia e do absurdo. Nunca tinha pensado nesse tipo de oposição/conflito.

Fora que ficou legal enconstar uma peça na outra, com o que ela tem de comum e diferente...