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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Rohmer por Inácio araújo

Em homenagem ao Eric Rohmer, que morreu na última segunda-feira, resolvi postar o texto que saiu hoje do crítica Inácio Araujo na Folha de SP. Queria prestar uma homenagem ao diretor, um dos meus preferidos, tanto por fazer filmes simples e brilhantes, como pela postura diante do cinema e do mundo. E o texto do Inácio cabe bem demais nesse intuito.

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Filmes de Eric Rohmer irão sobreviver por muito tempo

Será difícil não reconhecer a obra do cineasta, morto na última segunda, como um grande momento do cinema francês no fim do século 20 e início do 21

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Dos cinco "jovens turcos" da revista "Cahiers du Cinéma" que revolucionaram o entendimento do cinema nos anos 50 do século passado, Eric Rohmer era o mais velho. Foi também o último a se tornar conhecido -pois não seria justo dizer que foi o último "a fazer sucesso".

Sua personalidade é mais ou menos o oposto daquilo que, cada vez mais, pede a indústria cinematográfica: presença em festivais, fotos nas revistas, declarações para a imprensa. Presença mundana e profissional, enfim. Raramente dava entrevistas. Não se deixava fotografar para evitar que, tornando-se conhecido, já não pudesse circular livremente por Paris. Recusava-se a frequentar festivais de cinema.

Sua obra é, de certa forma, um espelho fiel da personalidade. Rohmer nunca fez concessões à indústria, evidentemente. Não fez concessões nem a seus amigos da "Cahiers": quando se tornou redator-chefe, continuou a dar mais atenção aos clássicos do que aos modernos (inclusive aos filmes da nouvelle vague), de tal modo que precisou ser, a horas tantas, substituído por Jacques Rivette (operação traumática, que resultou em anos de afastamento da revista dele e dos redatores mais próximos a ele). Esse momento marcou também o fim da fase "amarela" da revista francesa.

Sua obra compõe-se, basicamente, de três séries previamente planejadas: "Contos Morais", "Comédias e Provérbios" e "Contos das Quatro Estações". A eles acrescentou trabalhos de maior produção, para os quais era em geral contratado, como "A Marquesa d'O", "Perceval le Galois", nos anos 70, ou, mais recentemente, "A Inglesa e o Duque". São os "pequenos filmes", no entanto, que marcam seu modo de produzir cinema: filmagem com pouquíssimos técnicos (em geral não mais de três), atores jovens colaborando em atividades desde cenografia e escolha de figurinos até empurrar o carrinho de "travelling" quando isso se impunha. Com isso, Rohmer conseguia a independência total, isto é, não dependia de concursos ou subvenções estatais para fazer seus filmes.

O espectador "normal" (não afeito ao acompanhamento do cinema em geral) viu Rohmer, por muito tempo, como um temperamento literário perdido no cinema, já que seus filmes eram excessivamente falados. Ele desdenhava desse tipo de comentário: entendia que suas histórias só tinham sentido no cinema.

Os cinéfilos, a parte mais paciente deles, em todo caso, percebiam que seus filmes eram um estranho e atraente tipo de monólito. Não se preocupavam nunca em nos seduzir. Nem em nos encantar. Dizia que, se poesia havia num filme, ela devia vir das coisas filmadas, nunca da maneira de filmar. Seu enquadramento nunca procura se notabilizar diante de uma paisagem ou "fazer bonito".

Suas histórias recusavam qualquer tipo de simbolismo ou "profundidade". Entendia que o cinema não é feito para "pensar" nem para "dizer", e sim para mostrar. Esse seu fundamento, naturalmente, redunda num realismo radical e em histórias quase banais, vividas por pessoas comuns, em que escolhas pessoais, amores, acasos entravam no jogo. Nunca a psicologia.
Fala-se muito, de fato (como os franceses, mestres da verbalização). Mas, com um pouco de persistência, o espectador perceberá um dos pontos-chave da obra de Rohmer: uma sutil distinção entre aquilo que os personagens entendem que seja a realidade e os fatos propriamente ditos.

O reconhecimento veio aos poucos para esse autor (que detestava ser chamado de "realizador"). Fora dos círculos especializados, partiu, curiosamente, dos EUA, onde seus filmes tinham larga audiência e onde sua descrição da vida dos franceses era muito mais apreciada do que na própria França.

Ao contrário de cineastas que por vezes encantam no momento e logo são esquecidos, a obra que deixa, vasta, cultíssima, enigmática, certamente sobreviverá a ele por muito tempo e será difícil não reconhecê-la como um dos grandes momentos do cinema francês na segunda metade do século 20 e neste início de 21.

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